A eugenia corporativa
A eugenia corporativa

Ao rever Os Meninos do Brasil, filme que assisti na década de 1970, percebi que é possível traçar, sem exagero, um paralelo entre a ficção e a realidade de algumas empresas, especialmente ao analisarmos seus processos de seleção de candidatos. Não, não se trata de um filme sobre jogadores de futebol ou meninos de rua.

Na verdade, a obra cinematográfica Os Meninos do Brasil aborda uma suposta tentativa de Joseph Mengele, o doentio médico nazista do campo de extermínio de Auschwitz, conhecido como Anjo da Morte, por criar clones de Hitler por meio de experiências realizadas com células congeladas e óvulos de mulheres semelhantes à mãe do Führer. Para Mengele, seria uma forma de trazer Hitler de volta à vida.

Percebo que o mercado corporativo, de certa forma, também está gerando seus próprios “meninos do Brasil”. Nos últimos anos, observa-se uma ditadura da estética em detrimento da competência e da capacitação técnica, um fenômeno que costumo chamar de eugenia corporativa. A eugenia é um conjunto de práticas voltadas à melhoria genética, seja vegetal, animal ou humana, por meio da seleção controlada para promover o aperfeiçoamento da raça. Os nazistas se baseavam nessa ideia para sustentar a crença na supremacia ariana.

A eugenia corporativa também promove a supremacia de um perfil considerado ideal. O ponto de partida, muitas vezes, é a aparência física. Dependendo dela, a sorte do candidato já está praticamente selada. Há alguns anos, uma famosa revista de negócios publicou o resultado de uma pesquisa que revelou que a estatura média dos presidentes das maiores empresas era de 1,80 m, ou seja, a altura passou a ser mais um diferencial competitivo. Outra vertente desse mesmo pensamento associa, de forma frágil e preconceituosa, simetria facial à inteligência, sempre dentro dos padrões estéticos ocidentais.

Talvez aí esteja parte da explicação para o aumento expressivo de cirurgias ortopédicas para ganho de estatura e de cirurgias plásticas para arredondamento dos olhos, principalmente na Ásia, com destaque para a China. O que leva um executivo chinês a submeter-se à dolorosa experiência de fraturar intencionalmente suas pernas, estendendo-as com o auxílio de pinos e próteses durante o processo de calcificação? O simples e cruel fato de se valorizar exageradamente um padrão visual estreito e equivocado. E o que leva uma mulher oriental a alterar seus olhos e descaracterizar sua etnia?

Perceba que, em muitos casos, os atributos físicos são priorizados em detrimento das competências intelectuais. E é aqui que ouso discordar do poeta Vinícius de Moraes: “os belos que me desculpem, mas talento é fundamental”. Não estou, de forma alguma, desvalorizando a beleza. Mas acredito que muitas empresas têm deixado de agregar valor à sua estrutura por fecharem as portas a profissionais competentes, vítimas de um processo seletivo superficial e enviesado.

Costumo usar como analogia a fusão de metais: o alumínio é leve, mas frágil; o aço é resistente, porém pesado. Já a liga de titânio é quase tão leve quanto o alumínio e tão resistente quanto o aço. A unidade deve ser o objetivo, mas alcançada por meio da diversidade de raças, de crenças, de experiências culturais e de repertórios profissionais.

Quando me perguntam, então, qual a minha recomendação para a formação de uma equipe, costumo responder com uma única palavra: diversidade.

Denis Mello

Diretor Nexion Executive Education